domingo, 16 de outubro de 2011





paisagismo muitas ideias



Missão Urbana

A Espacialidade da Missão Urbana de Paulo: Onde fazer Missão?

Luis André Bruneto*

Já por razões de convicção e estratégias, Paulo não plantou igrejas por todo canto que passou. Aparentemente, Paulo parecia não querer perder tempo com cidades menos importantes. Ele escolhia cuidadosamente as cidades e planejava como seria a proclamação da mensagem de salvação.



Além de evangelizar essas cidades, Paulo não parou por aí. Ele centralizou suas atividades em importantes centros urbanos, considerado por ele estratégicos. Segundo Nicodemus Lopes[3], a cidade de Tessalônica tornou-se a base missionária para a província da Macedônia; Corinto a base para a província da Acaia; e Éfeso, a sua base para a Ásia proconsular.

A partir desses centros escolhidos Paulo tinha bases para evangelizar as regiões que essas cidades compreendiam. Por isso, é de se pensar que ele tinha consigo alguma forma de olhar a cidade, destacando elementos importantes para a realização desse objetivo, sempre visando a evangelização do mundo que vivia. Isso nos leva a pensar no que fazia Paulo escolher essas cidades.

O motivo dessa escolha Jorge H. Barro[4] explica bem:

Não há dúvida de que uma das estratégias da missão de Paulo eram os centros urbanos. Paulo escolhia as cidades mais urbanizadas, influentes e estratégicas a partir das quais as boas novas do Reino poderiam se espalhar. As cidades que Paulo entrou eram centros de administração romana, sob a influência grega e judaica, além de serem importantes centros culturais, sociais e comerciais. Quando passava pelos centros romanos, procurava proteção legal do governo e ainda usava um modo de influenciá-los para a aceitação do evangelho.



Consideramos importantes as cidades fazer um levantamento de todas as cidades que ele evangelizou, mas já existem boas pesquisas a esse respeito. O que existe da nossa parte é uma preocupação em apresentar elementos do ambiente urbano que mostram como Paulo via e abordava essas cidades. Diferentes abordagens feitas por ele acabaram determinando diferentes ações.

Para tanto analisaremos três perspectivas que revelam o olhar Paulo sobre a cidade. Obviamente não pretendermos ser os donos da verdade afirmando que era só essa ou aquela visão paulina a respeito da cidade, mas optamos pelo que consideramos um caminho muito mais interessante, ou seja, o conceito de espacialidade de Paulo. Na primeira subdivisão, vamos descobrir este conceito; na segunda, os elementos formativos desse conceito e no terceiro como ele o utilizava.


1. Conceito de Espacialidade de Paulo

Ricardo Mello[5], analisando a obra do artista Hélio Custódio Fervenza, sintetiza espacialidade como sendo conceitos que abordam as diversas maneiras como as pessoas percebem o espaço à sua volta, e sob quais pontos de vista.

De maneira mais explícita, a geógrafa Maria Encarnação Beltrão Sposito, da UNESP de Presidente Prudente, diz em seu artigo Espacialidade, Cotidiano e Poder que:

A espacialidade expressa, sustenta, determina, e portanto, faz parte e ao mesmo tempo designa a formação social e econômica, e por tal também reforça a acentuação da diferenciação (e da separação) entre as pessoas e os lugares, entre o ser, o estar e o fazer. Numa sociedade de classes, esta espacialidade contém a lógica e o sentido dado pela diferenciação social e econômica, e o poder de produzir / transformar / consumir esta espacialidade está também determinado por esta diferenciação.



Os elementos formativos de Paulo[6] faziam com que ele percebesse os espaços à sua volta e reagisse a eles de forma evangelizadora. Parafraseando Beltrão Sposito, a espacialidade paulina expressa e designa a formação cultural e religiosa forçando uma acentuação da diferenciação entre as pessoas e os lugares, entre o ser, o estar e o fazer. Ou seja, a análise de Paulo não se diluía com o tempo, mas era pragmática, trazendo à cidade um apelo decisivo quanto ao Reino de Deus. No meio teológico, essa diferenciação é chamada de contextualização ou em outros momentos de adaptação missionária.

Sua especialidade era colocada em prática através da especificidade do seu pensamento, em que era articulada a análise por meio de conceitos e imagens. Para Paulo faz-se valer aquela máxima: “uma imagem vale mais do que mil palavras.” Seu exame minucioso da cidade era feito também através delas. Esse tipo de análise de uma realidade através das imagens ‘prenhes’ de história[7] dá-se o nome de fisiognomia.

Em nossa análise histórica dos documentos neo-testementários escritos por Lucas descobrimos que Paulo também era um fisignomista, ou seja, fazia uso das imagens para ler a história das cidades por onde passou.

Guardadas as proporções entre Atenas do século I e Paris do século XIX [8], podemos descobrir elementos presentes em Paulo que o faziam ler a cidade através das imagens.

O referencial teórico que encontramos essa espécie de especulação das imagens é Walter Benjamim (1892-1940), pensador, escritor e crítico da cultura. Os escritos de Benjamim são analisados como instrumentos de historiografia. W. Benjamim oferece uma visão aguda acerca das forças históricas atuantes, a consciência das classes sociais e as contradições da modernidade, especialmente a alemã, trazendo relevantes aspectos sobre o fenômeno da metrópole moderna. Segundo Willi Bolle:

A imagem possibilita o acesso a um saber arcaico e a formas primitivas de conhecimento, às quais a literatura sempre esteve ligada, em virtude de sua qualidade mítica e mágica. Por meio de imagens – no limiar entre a consciência e o inconsciente – é possível ler a mentalidade de uma época. É essa leitura que propõe Benjamim enquanto historiógrafo. Partindo da superfície, da epiderme da sua época, ele atribui a fisiognomia das cidades, à cultura do cotidiano, às imagens do desejo e fantasmagóricas, aos resíduos e materiais aparentemente insignificantes a mesma importância de “grandes idéias” e às obras de artes consagradas. Decifrar todas aquelas imagens e expressá-las em imagens “dialéticas” coincide, para ele, com a produção do conhecimento da história.



Na apreciação de W. Bolle sobre os escritos de W. Benjamim é possível notar como funcionava a sua historiografia. Na Obra das Passagens, “construção do olhar sobre a cidade se dá através de imagens dialéticas, fragmentos (...) e técnicas de montagem – configurando um ensaio ‘cinematográfico’, uma ‘radiografia’ da metrópole”[9]. Como um homem inteirado com a cultura, poderíamos afirmar que os interesses de Paulo iriam movê-lo a estudar a cidade. Paulo montava um quebra-cabeça, juntando seus conceitos obtidos em seus estudos, revelações e ensinamentos com a maneira como ele percebia as imagens dialéticas e os fragmentos das cidades que estava evangelizando. Com esse quebra-cabeça de conceitos pré-determinados mesclados com aqueles obtidos na sua análise fisiognomista, ele conseguia fazer uma radiografia da cidade que estava para ser evangelizada e também ser eficaz nessa tarefa.

Além da construção do olhar através das imagens dialéticas somadas com fragmentos e técnicas apuradas e montagem, Walter Benjamim usa outros métodos descritos no livro sobre o Barroco, em que examinam-se “os pressupostos e antecedentes dessas técnicas: a representação da história por meio de imagens, a crítica alegórica da cultura, a passagem do palco pelo barroco, onde se encena a Melancolia, para a cidade surrealista, onde o Flâneur contracena com a Mercadoria, o Progresso e a Multidão”[10].

Para Paulo, entretanto, não importa que as imagens sejam positivas ou negativas. O que importa é a verdade que ela está trazendo. A construção do olhar paulino sobre a urbe era feito também através de imagens dialéticas somadas com fragmentos e técnicas adquiridas através da formação religiosa, acadêmica, familiar e social de Paulo. Portanto, o que o fazia ver assim, a realidade “nua e crua” eram os conceitos formativos de seu caráter, analisados no próximo tópico.


2. Elementos Formativos de Paulo

Esses elementos de Paulo foram formados no decorrer de sua própria vida, foram as fontes do pensamento de Paulo. Essas fontes fizeram com que o apóstolo tivesse em seu papel evangelizador uma visão crítica mas ao mesmo tempo misericordiosa e uma ação agressiva mas ao mesmo tempo complacente.

Durante sua vida esses elementos formativos o tornaram um homem decidido, firme, constante, fiel, honrado, honesto, justo, verdadeiro, humilde, amoroso e tantos outros. Por isso, a colcha de retalhos (que cada um de nós tem em seu caráter) de Paulo vamos tentar desvendar agora.


2.1. Cidadão de Tarso, Cidadão de Roma

Muitas pessoas constroem uma dualidade amor/ódio pela cidade durante a sua existência, fruto de relacionamentos bem sucedidos (amor) e outros nem tanto (ódio). Por isso, podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que os sentimentos das pessoas em relação à cidade são variados. Não é difícil encontrar esses sentimentos nas almas das pessoas. Basta caminharmos pelas ruas e encontraremos pessoas com saudade de sua terra natal, amaldiçoando a cidade onde está. Atravessamos a rua e encontramos outro fazendo justamente o contrário.

Ralph Emerson, durante a revolução industrial diz uma frase impactante: “Eu olho para as cidades como grandes conspiradoras; eu sempre sinto alguma diminuição da fé quando entro em uma delas.” Esse sentimento de repulsa de Emerson pela cidade não é novidade.

Olhando para a afirmação de Émerson e para as grandes megalópoles modernas surge em nossa alma um sentimento de impotência, fraqueza, ineficácia. Será o evangelho tão poderoso capaz de transformar uma cidade de dez, vinte milhões de pessoas?

Contudo, o apóstolo dos gentios parecia não temer as cidades. Ele se sentia em casa quando estava em uma delas. Aliás, até escreve uma carta com o intuito de visitar e evangelizar a maior delas naquele tempo, Roma.

Por isso, a cidade de Tarso, naturalidade de Paulo, tem aspectos fundamentais na formação de seus conceitos sobre a urbe. Ele cria em sua alma um sentimento de amor pelas cidades, fruto de um bom relacionamento com ela:

Quando Paulo afirmou ser “de cidade não insignificante” tinha claramente bons motivos para descrever Tarso assim. Se suas palavras significam (como parece ser o caso) que seu nome estava na lista de cidadãos de Tarso, isto indica que ele nasceu numa família que possuía a cidadania. [...] Lucas diz que Paulo era um “fazedor de tendas” (skenopois) do que podemos entender que ele estava envolvido na fabricação dos produtos do cilicium local; contudo, ele parece ter feito parte de uma família bem de vida. [11]



Tarso era uma próspera cidade baseada principalmente na planície fértil em que se localizava. Além disso, localizava-se aí uma famosa escola de retórica grega, uma escola da mais alta aprendizagem reservada à elite intelectual e social[12]. Como Paulo era de uma próspera família judia, com certeza teve parte de seu ensino nessa escola, o que explica sua retórica apurada e grande capacidade de persuasão.

De acordo com o geógrafo Estrabo, escrevendo nos primeiros anos do primeiro século AD, o povo de Tarso era ávido em obter a cultura. Eles aplicavam a si mesmos ao estudo da filosofia, as artes liberais e “completo desejo de aprender em geral” – a completa “enciclopédia”. [13] Tarso, em resumo, era o que nós podemos chamar uma cidade universitária.

A vida de Paulo na cidade parece ter durado pelo menos até a sua mocidade, quando vai ser educado aos pés de Gamaliel. Ao que parece, essa breve vivência na cidade foi mais que suficiente para que Paulo tivesse uma profunda admiração por ela, e criando por outras cidades um sentimento de amor e até mesmo dependência.

Além do fato de Paulo haver nascido em Tarso e se relacionado bem com ela, outra realidade a se destacar era sua cidadania romana. Com certeza, essa foi uma das características que influenciaram a visão paulina a respeito da cidade. Como? Simples. Paulo gozava de privilégios e benefícios por ser cidadão romano. Podemos dizer que ele não sofria as agruras que a maioria dos cidadãos sofriam.

Hoje em dia ouvimos falar de pessoas globalizadas, que falam pelo menos três idiomas, viajam internacionalmente pelo menos duas vezes ao ano e se relacionam culturalmente com várias ideologias. Chamamos essas pessoas de cidadãos do mundo. Paulo com certeza era um cidadão do mundo, dizendo... eu não sou cidadão romano, nem grego, nem...


2.2. O Judaísmo e Gamaliel

Outro ingrediente formativo na visão urbana de Paulo veio de sua religião de berço. Antes de sua conversão, Paulo era membro de um dos principais grupos religiosos dos judeus. Segundo as próprias palavras do apóstolo ele era circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu (Fp 3:5). Além disso, garante que seus pais também eram fariseus (At 26:6). Isso tudo fazia de Paulo um homem extremamente zeloso para com a sua religião e todos os aspectos que a envolviam.

Quem, então, eram os fariseus? Eles são mencionados, pela primeira vez com esse nome, em meados do segundo século a.C. Em sua narrativa do governo de Jônatas (160-143 a.C.), irmão e sucessor de Judas Macabeu , Josefo diz que nessa época havia três escolas de pensamento entre os judeus: os fariseus, os saduceus e os essênios [...][14]



Eram chamados fariseus, que deriva da raiz hebraica e aramaica e significa separados. Esse nome era uma clara referencia à separação que faziam de tudo que pudesse trazer contaminação moral ou cerimonial. Eram extremamente zelosos em guardar a lei do sábado e as restrições de alimentos. Nos estudos da Lei Mosaica, os fariseus prepararam um emaranhado de interpretações e explicações que, com o tempo, ganharam uma validade igual à lei escrita – chamada de tradição dos anciãos.

Entre os próprios fariseus haviam duas escolas de interpretação das leis, chamadas de Shammai e Hillel, nomes de seus respectivos fundadores. Shammai era uma escola mais rígida e Hillel mais flexível. Ao que tudo indica, Paulo fazia parte dessa última, visto que seu instrutor, Gamaliel, era sucessor de Hillel e líder de sua escola. Contudo, algumas tradições antigas falam de pessoas que pertenciam à escola de Gamaliel, como se ele tivesse fundado a sua própria. [15]

O que realmente importa é que Paulo fora instruído numa escola farisaica de caráter mais flexível, aos pés de Gamaliel. Embora boa parte da formação religiosa de Paulo tenha vindo dele, esse homem teve uma profunda influência na vida de Paulo.

Na maioria das questões, por exemplo na esperança da ressurreição e nos métodos de exegese bíblica, Paulo provavelmente foi um aluno apto e um seguidor fiel do seu professor. [...] Em um aspecto, porém, Paulo desviou-se de seu mestre: ele repudiou a idéia de que uma política de contemporização era a mais adequada aos discípulos de Jesus. Em sua cabeça, esse novo nascimento constituía uma ameaça mais mortal a tudo o que ele aprendera a valorizar do que Gamaliel parecia capaz de entender. Além disso, o temperamento de Paulo parece ter sido bem diferente do que Gamaliel: em contraste com a paciência e tolerância de estadista de Gamaliel, Paulo era caracterizado, em suas próprias palavras, por uma superabundância de zelo – que, realmente, ele nunca perdeu de todo.[16]



De fato, esse último foi um aspecto do caráter de Paulo transferido para seu ministério. Paulo era extremamente zeloso em tudo o que fazia, desde sua análise urbana até o treinamento de liderança que o substituiria depois de sua partida.


2.3. Revelação Divina: de perseguidor a perseguido, de Saulo para Paulo

Em Atos 20:18-24, lemos o relato de Lucas durante a fala de Paulo aos presbíteros da igreja de Éfeso, mostrando as duas vocações na sua vida: uma vocação natural, enquanto ainda Saulo, que era a vocação do intelectualismo, da excelência religiosa através do farisaísmo (At 20:20 – anunciar, ensinando); e outra, a divina, agora já transformado em Paulo, quando na estrada de Damasco, além de conhecer Jesus (Eu sou Jesus, a quem tu persegues! – At 9:5), recebe também do Senhor, o modo como ele iria realizar a sua missão, mostrado de forma clara a Ananias: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome (At 9:15-16), ou seja, uma missão em meio a muitos sofrimentos.

O relato lucano mostra como Paulo foi esse instrumento para as cidades escolhido para levar o nome de Jesus aos gentios e reis e o quanto ele sofreu para fazer isso, através de suas perseguições (At 13:50, 14:19, 16:22, 20:3, 23:14), torturas físicas (At 14:19, 16:22, At 21:32), prisões (At 16:23, 21:33), difamações (At 13:45, 14:2, 16,20-21, 17:5, 17:18, 18:6a, 18:12, 19:9, 21:28, 24:2). Como instrumento da revelação divina Paulo sofrerá as lutas e agruras do evangelho.

Não há como negarmos que Paulo teve em sua formação a respeito da cidade um caráter divino. No tempo em que esteve na Arábia, Paulo passou por momentos extremamente íntimos com os Céus. Esses momentos ele descreve de uma forma impressionante: conheço um homem em Cristo que, há catorze anos, foi arrebatado até ao terceiro céu (se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus o sabe) e sei que o tal homem (se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus o sabe) foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras inefáveis, as quais não é lícito ao homem referir. (2 Co 12:2-4).

Não só essa experiência singular, mas a da conversão também, foram de fundamental importância na construção do olhar Paulino sobre a cidade.


2.4. Barnabé

Barnabé não foi só o primeiro companheiro de viagem de Paulo, mas alguém de fundamental importância na construção de seu olhar sobre a urbe. Enquanto o aspecto religioso-teológico foi enfatizado por Gamaliel, Barnabé ajudou Paulo a ver a cidade com olhos de misericórdia.

Barnabé, cujo nome significa filho de exortação (At 4:36s) ou aquele que dá coragem, era sobrenome de José, um levita rico, natural da ilha de Chipre e convertido ao cristianismo. Esse homem tinha um campo, vendeu e trouxe todo o dinheiro, depositando aos pés dos apóstolos, para que esses usassem de maneira que bem entendessem.

O primeiro encontro dele com Paulo acontece em Atos 9:27, depois da espetacular fuga deste, descendo em um cesto pela muralha de Damasco. Barnabé leva Paulo aos discípulos, narrando o que acontecera no caminho e como Paulo anunciava ousadamente a Palavra de Deus em Damasco.

Temendo retaliações dos judeus, os discípulos enviam Paulo a Cesaréia e daí para Tarso, região onde recebe as revelações que comentamos no tópico anterior. Depois de alguns anos, Barnabé é enviado para cuidar da comunidade de Antioquia, que se formara dos que foram dispersos depois do martírio de Estevão. Esses evangelizaram judeus em gregos, e muitos se converteram (At 11:19-22). Barnabé, reconhecendo a difícil tarefa de cuidar da igreja emergente, sai a procura de Paulo (At 11:25), trazendo-o a Antioquia, onde se reuniram por todo um ano. Aqui em Antioquia, os discípulos foram chamados de cristãos pela primeira vez (At 11:26).

Com Barnabé, Paulo inicia sua primeira viagem missionária (At 13:2-4). Seu companheiro de viagem continua com ele até a escolha da equipe para a segunda viagem (At 15:36ss). Houve uma separação entre Paulo e Barnabé por questões de personalidade, ficando claro aqui o aspecto misericordioso de um e o zelo pela obra de outro. Por causa de João Marcos, que havia abandonado a primeira expedição e voltado para Jerusalém (At 13:13), os dois se desentendem. Enquanto Barnabé achava que Marcos merecia mais uma chance, Paulo achava que não se podia agir daquele jeito na obra de Deus. Vai Paulo e Silas para um lado (mais precisamente para a Síria e Cilícia), e Barnabé e Marcos para outro (Chipre).

Contudo, as lições que Paulo aprendeu com Barnabé a respeito da misericórdia ficaram imprimidas em sua alma. Podemos ver isso em sua missão e em suas cartas.

Podemos concluir este segundo tópico dizendo que a construção do olhar Paulino sobre a cidade se deu: no enfoque amor-cidadania – através de sua relação com sua cidade natal e outras que ele morou; no enfoque religioso-teológico: com a sua religião de berço e seu professor Gamaliel; no aspecto divino: através de suas experiências no caminho de Damasco e na Síria; e finalmente no aspecto da misericórdia: em seu estreito relacionamento com Barnabé.


3. A Construção de um Olhar Sobre a Cidade – Como Paulo usava seus conceitos

Para se compreender a construção do olhar de Paulo sobre a cidade, utilizaremos duas abordagens: seus personagens-tipo e os retratos/paisagens urbanos.

Já que vimos os aspectos que formavam a mente de Paulo sobre a cidade, precisamos analisar como ele fazia uso desses conceitos e chegarmos a uma forma de uma atual utilização desses para a igreja de hoje.

Seguindo a linha de pensamento de Willi Bolle, na análise de Walter Benjamim sobre a metrópole moderna podemos destacar alguns pontos em comum das formas construtivas do olhar Paulino sobre a cidade.


3.1. Personagens-tipo urbanos

Walter Benjamim, em sua análise da metrópole moderna, constrói o seu flâneur, que é um personagem urbano, um abreviado, um mítico caráter social, uma imagem dialética através do qual é possível obter um conhecimento mais aprofundado do fenômeno da metrópole moderna. [17]

Esse flâneur é construído com a finalidade de se dar uma idéia à forma, uma concepção da história que se expressa por meio dramático, condensado em uma imagem alegórica: o personagem-tipo. Com certeza, um personagem-tipo é formado em seu próprio ambiente urbano, que na realidade é uma colcha de retalhos sem precedentes. Para tentar analisar os personagens-tipo de Paulo, teremos que recorrer ao texto bíblico e às inferências sobre eles.


3.1.1. O Negociante

Dentro dos personagens- tipo que encontramos em Paulo o primeiro que destacamos é o negociante. Não em ordem de escalas de valores, nem de importância, mas simplesmente por um fator de classificação social. Dentro dessa estratificação social encontramos dois tipos de negociantes: o alto negociante, que importa de longe sua mercadoria, estoca em grandes armazéns e faz parte da classe rica; e o pequeno negociante, que explora sua atividade através de sua pequena loja num dos mercados da cidade.

Os altos negociantes importavam todo o tipo de material, desde madeira, vidros, até bálsamos, perfumes, especiarias. Eles traziam grandes quantidades de produto que eram guardados em grandes armazéns e distribuídos aos pequenos comerciantes, que colocavam seu preço e vendiam ao consumidor final.

Lídia faz parte desse personagem-tipo de Paulo. Essa mulher, vendedora de tecidos de cor púrpura, era natural de Tiatira, mas morava em Filipos, onde desenvolvia sua atividade comercial (At 16:14). A púrpura era um tecido caro de cor vermelho-arroxeado e era usado como símbolo de riqueza e de alta posição social[18]. Isso mostra que Lídia era pessoa de alto poder aquisitivo.


3.1.2. O Escravo

O próximo personagem-tipo urbano encontrado em Paulo e o escravo. Em suas viagens ele se deparou com eles. Faziam parte da sociedade e muitos se converteram através do ministério do apóstolo. Durante seu ministério entre algemas, Paulo ganha um escravo chamado Onésimo, que havia fugido da casa de Filemôm onde servia. Filemôm era irmão em Cristo e agora Onésimo é enviado de volta por Paulo.

Os escravos eram parte integrante da sociedade e se dividiam em classes de importância. Haviam escravos de governadores, e logicamente esses tinham oportunidades diferentes de serviçais de pessoas menos favorecidas. Sabe-se até de escravos que possuíam bens materiais. Entre os israelitas os escravos eram normalmente bem tratados e até tinham a oportunidade de comprar a sua liberdade (Êx 21.5; Lv 25.47-55). Wayne N. Meeks resume bem como os escravos viviam naqueles dias:

A mudança de status mais fundamental pra alguém das classes mais baixas era a passagem da escravidão para a liberdade – ou vice-versa. Isso não significa que todos os livres vivessem melhor que todos os escravos; a realidade era bem diferente. Havia escravos que possuíam escravos; que manipulavam grandes quantias de dinheiro no que constituía, efetiva, porém não legalmente, seus próprios negócios; que exerciam profissões altamente qualificadas. E havia trabalhadores livres que morriam de fome. Não obstante, os escravos trabalhavam duramente para obter a alforria e muitas vezes conseguiam. [19]



Entre essa classe social haviam os libertos, que ocupavam uma camada social que era uma transição entre escravos e livre. Esses conservavam obrigações com seus antigos senhores, eu agora eram seus patronos ou protetor, debaixo de aspectos legais e informais.

Haviam também o que J. Jeremias chama de diaristas. Esses eram mais numerosos que os escravos. É diarista aquele homem alugado por um rico hierosolimitano como cursos. Os diaristas ganhavam uma média de 1 denário, com refeição. [20] Jesus menciona diaristas em sua parábola sobre o Reino de Deus, em Mateus 20: 1-16:

Porque o reino dos céus é semelhante a um dono de casa que saiu de madrugada para assalariar trabalhadores para a sua vinha. E, tendo ajustado com os trabalhadores a um denário por dia, mandou-os para a vinha. Saindo pela terceira hora, viu, na praça, outros que estavam desocupados e disse-lhes: Ide vós também para a vinha, e vos darei o que for justo. Eles foram. Tendo saído outra vez, perto da hora sexta e da nona, procedeu da mesma forma, e, saindo por volta da hora undécima, encontrou outros que estavam desocupados e perguntou-lhes: Por que estivestes aqui desocupados o dia todo? Responderam-lhe: Porque ninguém nos contratou. Então, lhes disse ele: Ide também vós para a vinha. Ao cair da tarde, disse o senhor da vinha ao seu administrador: Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, começando pelos últimos, indo até aos primeiros. Vindo os da hora undécima, recebeu cada um deles um denário. Ao chegarem os primeiros, pensaram que receberiam mais; porém também estes receberam um denário cada um. Mas, tendo-o recebido, murmuravam contra o dono da casa, dizendo: Estes últimos trabalharam apenas uma hora; contudo, os igualaste a nós, que suportamos a fadiga e o calor do dia. Mas o proprietário, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço injustiça; não combinaste comigo um denário? Toma o que é teu e vai-te; pois quero dar a este último tanto quanto a ti. Porventura, não me é lícito fazer o que quero do que é meu? Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom? Assim, os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos.



No meio desses diaristas havia um sentimento catastrófico: o de não encontrar serviço. Daí a entender essa particular revolta dos primeiros trabalhadores do dia.

Havia ainda um quadro particular de escravos e de libertos que constituíam a categoria de mais mobilidade que se pode encontrar na sociedade romana...

... e entre os quais sabemos bem explicitamente que havia cristãos do círculo Paulino. Eram os membros da familia caesaris, a “família de César”. Como os ricos comuns transferiam boa parte das responsabilidades nos negócios a seus escravos e libertos, também Augusto e seus sucessores empregavam suas familiae nos negócios do império. Cláudio ampliou muitíssimo essa prática, que vigorou por mais de um século até Domiciano; Trajano e Adriano procuraram reduzir o poder dos homens líberos; a familia caesaris era virtualmente o serviço civil do império, nas províncias não menos do que em Roma. [21]



Esse tipo de escravos que mencionamos são os escravos sociais, presos em suas rotinas por alguma associação com seu nascimento ou ação durante a vida. Entretanto, sabemos de outro tipo de escravo que Paulo se deparou em seu ministério: escravos espirituais. Em pelo menos dois textos (At 13:8ss e At 16:17ss) encontramos Paulo em batalha espiritual e no caso da moça em Filipos, vemos uma ação de misericórdia do apóstolo que desencadeia em uma de suas primeiras prisões.


3.1.3. Os Senhores

Este é um grupo distinto, por constituir de diversos personagens-tipo que se caracterizam por sua posição social de proeminência. São identificados como os membros do areópago[22], os políticos e os patrões. Os areopagitas assentavam-se como juízes e tratavam de leis, religião e educação. Estes homens eram de poder aquisitivo relativamente alto para sociedade daquela época. Isso se demonstra pelo fato de serem educados e tratarem de elementos que envolviam toda a cultura da sociedade ateniense. Eram membros da mais nobre e venerável academia do saber de Atenas, capital cultural da época.

O outro personagem-tipo pertencente a essa categoria eram os políticos. Esses homens, também de destaque financeiro, coordenavam toda a cidade. Especialmente em Atenas, esses homens faziam parte do Senado.

Embora os dois personagens-tipo anteriores tivessem escravos, os patrões, terceiro personagem-tipo desta categoria, dependiam desse subterfúgio para seus negócios. Muito embora boa parte desses “micro-empresários” usassem de escravos, ainda existiam os empregados, homens e mulheres pagos para a funções de processo e distribuição de alimentos, cosméticos, especiarias, animais etc.

A vida do apóstolo e seu particular interesse mostra que ele se esmerou em alcançar esses senhores em primeiro lugar. Em Gálatas 2:10, encontramos uma palavra que ele se esforçou também para lembrar dos pobres em se evangelismo. O primeiro convertido na sua primeira viagem missionária demonstra isso. Paulo e Barnabé são instigados a pregarem para um homem chamado Sérgio Paulo, procônsul (At 13:12). Esse era um título atribuído a um governador de província, nomeado pelo senado romano, geralmente por um ano.

A evangelização de Lídia em Filipos (At 16:14-15) é outro texto que comprova esta experiência. Lídia era uma vendedora de púrpura, e por isso, muito rica. Paulo evangeliza essa mulher e esta oferece sua casa como hospedaria para eles enquanto estivessem ali.

Em Atos 17:12 vemos Lucas mencionando que em Beréia muitos deles creram, mulheres gregas de alta posição e não poucos homens. Em Atos 17:34, encontramos a conversão de Dâmaris e seu esposo Dionísio, membro do areópago. Em Atos 18:8, vemos que Crispo, o principal da sinagoga abraçou o evangelho.

Paulo tinha, portanto, um interesse especial nessas pessoas de classe média e alta, se podemos classificar assim. Mas qual o motivo disso? Se observarmos que ele veio de uma cultura de classe média e que essas pessoas eram formadoras de opinião vamos encontrar suas motivações. Podemos pensar assim: o areopagita Dionísio, agora cristão, se tornara um porta-voz do Evangelho muito mais eficaz do que um cristão de classe mais pobre. Pode soar até como preconceito, mas a realidade é que Paulo concentrou-se nessas pessoas.


3.1.4. A Mulher

A mulher é o quarto personagem-tipo de Paulo. O apóstolo dava atenção e importância a esse contingente tão valoroso na obra do reino. Em Filipos ele dirige-se, juntamente com Silas, até a beira do rio, o ponto de encontro de mulheres de várias classes sociais, e falam a elas. Entre as que se convertem está Lídia, vendedora de púrpura[23], provavelmente uma das mulheres mais ricas de toda a região. Essa mulher, encantada com a mensagem de Paulo se torna uma das financiadoras de seu ministério. W.N. Meeks afirma que:

... os nomes gregos de Evódia e Síntique (Fl 4:2s) podem sugerir que elas se achavam entre os grupos de comerciantes mestiços em Filipos. Além disso devemos observar que eram mulheres com suficiente independência para terem seus direitos reconhecidos como membros atuantes da missão paulina.



Entre muitas mulheres haviam as que se destacavam na vida pública, atuantes no comércio e no artesanato, usando parte do seu dinheiro para obter reconhecimento em suas cidades, assim como os homens. Cada vez mais, no mundo dirigido pelo império romano, e influenciado pelo pensamento grego, as mulheres surgem como litigantes independentes. Nesse contexto, as mulheres se reuniam em associações, geralmente nas mesmas associações com os homens, o que já denota um grande avanço social, se comparado com o mundo judeu, especialmente o de Jerusalém.

J. Jeremias afirma que a mulher, em Jerusalém, não participava da vida pública, e quando esta saía de casa deveria ter o rosto coberto, com algo parecido com a burka, que ficou famosa depois da invasão do Afeganistão pelos Estados Unidos.

Essa mulher, relatada por J. Jeremias,

...que saía de casa sem ter a cabeça coberta, quer dizer, sem o véu que ocultava o rosto, faltava de tal modo aos bons costumes que o marido tinha o direito, até mais, tinha o dever de despedi-la sem ser obrigado a pagar a quantia que, no caso de divórcio pertencia à esposa, em virtude do contrato matrimonial. [...] As regras do decoro proibia encontrar-se sozinho com uma mulher, olhar para uma mulher casada, e até mesmo cumprimentá-la. Seria vergonhoso para um aluno de escriba falar com uma mulher na rua. Aquela que conversasse com alguém na rua ou ficasse do lado de fora de sua casa podia ser repudiada sem receber o pagamento previsto no contrato de casamento.



Podemos observar, portanto, dois mundos distintos em que Paulo circulava. O primeiro era seu mundo já globalizado (se podemos chamar assim) dominado politicamente por Roma e culturalmente pela Grécia. Nesse mundo as mulheres gozavam de uma liberdade maior, podendo conversar, trabalhar e até mesmo negociar com homens sem nenhum problema. No outro mundo a realidade era bem diferente: um mundo dominado especialmente por homens, onde a mulher não ascendia socialmente a não ser que seu marido assim a fizesse, um mundo onde as mulheres eram totalmente restringidas à vida doméstica, sem contato demasiado com o mundo exterior.


3.1.5. O Trabalhador

Outro personagem-tipo de Paulo é o trabalhador. Essa figura presente no olhar paulino sobre a cidade trabalha com duas vertentes. O primeiro é aquele que vê a pessoa que trabalha para alguém, que não é independente, mas depende financeiramente de um patrão. Esse trabalhador eram

O outro é aquele que trabalha por conta própria tirando da terra e do comércio informal[24] o seu sustento. Entram aqui os carpinteiros, artesãos, pedreiros, pequenos agricultores, criadores de gado etc. Tanto um como outro são da classe baixa da população. Não possuem recursos para esbanjar, senão somente para sobreviver.

O próprio Paulo era um trabalhador da classe artesã. Ele se dedicou à fabricação de tendas especialmente durante sua estada em Corinto, juntamente com Áquila e Priscila, também artesãos do mesmo ofício (At 18:3). Paulo precisou recorrer a esse subterfúgio para sobreviver enquanto evangelizava Corinto. Paulo se hospedava na casa deste casal e trabalhavam juntos. Sabemos que não foi somente aqui que Paulo trabalhou para se sustentar, mas mesmo em Tessalônica (1 Ts 2:9, 2 Ts 3:8) e posteriormente em Éfeso (At 18:18, 26, 20:34, 1 Co 16:19). [25]

De acordo com sua prática regular, Paulo se sustentou em Corinto com seu próprio trabalho, e encontrou emprego em uma empresa que fabricava barracas, cujos donos eram um judeu originário do ponto, Áquila, e sua esposa, Priscila. O casal morara até pouco tempo em Roma, cidade natal de Priscila, mas fora obrigado a deixar a cidade, por causa do Edito de Cláudio, expulsando a colônia judaica de Roma. Eles parecem ter sido um casal bem de vida, e sua fábrica de barracas pode ter tido filiais em vários centros, com um gerente nos lugares em que eles não residiam. Com isso, eles podiam locomover-se facilmente entre Roma, Corinto e Éfeso. Depois de se encotrarem em Corinto, Paulo não teve amigos ou ajudantes mais leais do que Priscila e Áquila, aos quais agradeço, diz ele alguns anos mais tarde, e não somente eu, mas todas as igrejas dos gentios (Rm 16:4), os serviços que eles prestaram à causa cristã evidentemente excediam em muito os serviços prestados pessoalmente a Paulo.[26]



Isso certifica nossa posição do tópico acima, quando afirmamos que Paulo se concentrava nas pessoas de classe média, média-alta para evangelizar e treinar.

Na realidade, não sabemos porque somente na segunda viagem missionária é que ele faz uso de sua arte, mas ao que tudo indica foram a falta de envio de recursos das igrejas para o sustento missionário, prática bem comum hoje em dia. A única igreja que se associou com o apóstolo durante sua estada em Corinto foi Filipos (Fl 4:15-16), e mesmo assim não deve ter sido um grande sustento, pois precisou recorrer ao seu ofício para manter o evangelismo.


3.1.6. Os Produtores da Cultura

O sexto personagem tipo de Paulo são produtores de cultura. Como dissemos anteriormente eram esses os quais Paulo mais se identificava. Aqui entram os professores, filósofos, pensadores, pesquisadores, legistas etc., enfim todos os que de alguma forma estão ligados à produção do saber. Os membros do areópago aparecem novamente aqui, mas agora como um desses produtores.

Paulo se dava muito bem no meio dessas pessoas por também ser um produtor de cultura. Isto está claro em Atos 17:22ss, precisamente no meio dos areopagitas, e na carta aos romanos, mais elaborada e teológica de todas.


3.2. Os Retratos/Paisagens Urbanos

Walter Benjamim faz uso de uma técnica de montagem de imagens chamada superposição. Nesta técnica ele tenta radiografar o imaginário coletivo. Em última instância, Benjamim faz uso desse método para decifrar o espaço imagético político-social.[27]

Não sabemos, obviamente, se Paulo usou a técnica da superposição, mas o fato é que as imagens eram construídas em sua mente, montando uma tessitura político-social capaz de revelar o imaginário coletivo, imprescindível de ser analisado para sua obra de evangelização. A sua capacidade de fazer isso está intimamente ligado a dois aspectos: sua educação e sua necessidade. Primeiramente, ele havia sido educado para ser um pensador dentro de sua religião e depois a necessidade produz a busca.

Os lugares a seguir que vamos destacar possuem dois lados em Paulo. O primeiro é o efeito que esse lugar produziu sobre ele, e depois o efeito que ele produziu no lugar. Importante notar que isso acontece em todos esses lugares. Além de influenciar e serem influenciados, esses retratos/paisagens urbanos mostram a realidade do espaço imagético que Paulo estava inserido.


3.2.1. A Sinagoga

As sinagogas eram as casas de oração dos judeus, que começaram a existir provavelmente durante o cativeiro babilônico. Essas sinagogas se espalharam por toda a região conhecida naquela época, e eram lugares em que os judeus adoravam a Deus, oravam e estudavam as Escrituras.

Uma das estratégias missionárias de Paulo era usar essas sinagogas como ponto de partida para a pregação do evangelho nas cidades onde passava. Isso se dava por motivos claros. Primeiramente, que ele era judeu,e todo que se prezasse deveria ir às sinagogas adorar no dia sétimo. Depois que ele era discípulo de Gamaliel, um dos mais respeitados mestres daquela época e muito conhecido dos judeus. Por isso mesmo, surge o terceiro motivo, que era que nas sinagogas, espaço para se estudar as Escrituras, ele tinha essa oportunidade de falar aos seus, explicando tudo a respeito do Encontro em Damasco.

De acordo com G. Hawthorne e R. Martin:

O cristianismo entrou no mundo antigo por meio de leis de proteção proporcionada ao Judaísmo muitos anos antes. A sinagoga providenciava a Paulo uma plataforma imediata para sua mensagem e serviço de muitas maneiras, quase que completa, como modelos para as igrejas emergentes. As igrejas primitivas imitavam as sinagogas em suas Escrituras lidas e expostas, orações e comunhão e se abstinham de sacrifícios que eram comuns em cultos pagãos.



Nesse pano-de-fundo religioso se confirma o ponto que afirmamos acima: que Paulo era influenciado pelos lugares e os influenciava com sua presença.


3.2.2. A Rua e a Praça

A rua era um lugar comum para Paulo. Logo no início de sua primeira viagem missionária (At 14:8ss) ele encontra assentado num lugar público um homem coxo de nascença e conhecido do povo de Listra, e o cura. Desse milagre desencadeia uma série de eventos na rua dessa cidade, que culmina com o apredejamento de Paulo.

Nas ruas da cidade de Filipos, Paulo juntamente com Silas se deparam com uma jovem possessa de um espírito imundo, a qual os perseguiam por muitos dias. O fato indignou a Paulo, e este expulsa o espírito, provoca uma sucessão de eventos nas ruas de Filipos que termina com a prisão do apóstolo e seu companheiro.

Por um espaço de dois anos que Paulo permaneceu em Éfeso (At 19:10), outros eventos nas ruas acontecem. Os filhos de Ceva, sumo sacerdote, fogem feridos e nus depois de um exorcismo mal-sucedido. Esse fato dá notoriedade a Paulo pelo fato do espírito imundo haver dito que conhecia a Paulo e a Jesus, dando a entender que eles tinham autoridade enquanto os filhos de Ceva não.

Desse fato surge nos habitantes de Éfeso um grande temor de Deus, e conseqüentemente de seu servo Paulo. Então acontece outro evento nas ruas. Os habitantes dessa cidade reconheciam seus pecados publicamente e se arrependiam. Muitos praticantes de artes mágicas reuniram seus livros e queimaram nas ruas. Assim, a palavra do Senhor crescia e prevalecia poderosamente (At 19:20).

As ruas e as praças são portanto portas de evangelismo para Paulo. Nas ruas ele se decepciona pela incredulidade, mas se alegra pela conversão. São lugares de ambíguos sentimentos. Ao mesmo tempo em que há libertação pública, por causa dela existe a prisão. Podemos dizer que os dois primeiros eventos afetaram seu modo de ver as ruas. Vemos nos primeiros um ímpeto fora do comum. A prisão em Filipos parece ter direcionado o apóstolo para outros lugares não tão expostos, mas que de modo algum denuncia falta de fervor evangelístico, pelo contrário, mostra zelo pela obra do Senhor.


3.2.3. A Casa e a Igreja

O principal lugar de reunião dos cristãos primitivos eram as casas, razão pela qual colocamos juntos os termos neste tópico. A palavra grega usada por Paulo para designar a assembléia que se reunia, quase sempre, na casa de alguém é ekklesia, o mesmo usado por Jesus em Mateus 18:17. Esse termo era usado para designar a assembléia de votação dos cidadãos livres, e Paulo cita este termo 63 vezes em suas cartas.

Paulo deixa isso bem evidente quando se saúde e se refere às igrejas que se reúnem nas casas (At 16:40, 17:5, 18:8, 21:8, Rm 16:5, 16:10, 16:11, 1 Co 16:2, 16:15, 16:19, Fp 4:22, Cl 4:15, 2 Tm 1:16, 4:19, Fm 1:2). A expressão kat’oikon ekklesia era usada por Paulo para designar a assembléia na casa de fulano[28], mostrando uma correlação entre o apóstolo e as igrejas nas casas. É bem provável que os chefes dessas casas acabaram se tornando líderes das igrejas que se reuniam debaixo de sue teto. Outra menção importante é que a conversão de alguém com sua casa aparece várias vezes em Atos (11:14, 16:15, 16:34, 18:8).

A kat’oikon ekklesia é assim a ‘célula básica’ do movimento cristão, e seu núcleo era muitas vezes uma casa existente […] a casa era muito mais ampla do que a família nas sociedades ocidentais modernas, incluindo não só parentes próximos, mas também escravos, libertos, trabalhadores contratados e, algumas vezes, atendentes e parceiros nos comércio ou na profissão. No entanto, kat’oikon ekklesia não era simplesmente a casa onde pessoas se reuniam para oração; ela não correspondia rigorosamente aos limites da casa. Outras relações preexistentes, como operações comerciais comuns, também são sugeridas nas fontes e, certamente, novos convertidos deviam ter sido acrescentados às comunidades existentes na casa. Além do mais, havia grupos formados nas casas dirigidas por não-cristãos, como os quatro mencionados em Rm 16:10-11, 14-15, sem citar a familia caesaris. Inversamente, nem sempre todos os membros de uma casa se tornavam cristãos quando seu chefe se convertia ao cristianismo, como o caso de Onésimo nos mostra. [29]



Um aspecto importante a notar é que a reunião que acontecia nas casas de pessoas que se converteram ao cristianismo tem seu pano de funda nas sinagogas. As reuniões em residências privadas eram um expediente judeu muito usado, onde eram adaptadas para fins de culto.[30] Os tipos de atividades também eram semelhantes às sinagogas incluindo leitura das Escrituras e interpretação, orações, refeições comunitárias, mas de modo algum havia sacrifícios como nos cultos pagãos.

A casa é, portanto, um lugar especial para Paulo. É na casa de Judas, em Damasco, que ele recebe a oração de Ananias, recupera sua vista, recebe o Espírito Santo e é batizado. Essa casa mostra a importância da questão espiritual.

Outra casa que merece nossa atenção especial é a casa de Cornélio, pois é nela que Pedro converte-se culturalmente, abrindo a porta do evangelho aos gentios e preparando a estrada para Paulo. Essa casa mostra o amor de Deus.

Outra casa especial é a de Lídia, vendedora de púrpura. Essa mulher converteu-se no ministério de Paulo em Filipos e a sua casa se torna a base paulina para o evangelismo na cidade. Dessa casa, portanto, é que surge a igreja de Cristo naquela cidade importante. Essa casa demonstra a hospitalidade.

A casa do carcereiro em Filipos também é importante. Logo depois da conversão deste homem na prisão, Paulo e Silas são levados para essa casa, onde pregam o evangelho e todos se convertem. Depois disso, os vergões dos açoites deles são tratados e todos os daquela casa são batizados. A mesa então é posta e todos se alimentam. Essa casa demonstra a misericórdia de Deus, e podemos que tanto a fé de Paulo quanto de Silas foram fortalecidas por eles.

Por último, a sua própria casa. No final de sua vida, em Atos 28:30, Lucas nos diz que e casa de Paulo era palco para a missão. Ali Paulo recebia a todos que o procuravam (influência das casas de Lídia, Tício e outros), e pregava o Reino de Deus sem impedimento algum (influência da casa de Judas e Lídia), ensinando todas as coisas referentes a Jesus (influência da casa do carcereiro).


3.2.4. A Prisão

Quando lemos a vida de Paulo, parece que ele era um freqüentador assíduo desse lugar tão mal quisto. Contudo, para Paulo, todo momento o evangelho deveria ser pregado, quer fosse oportuno, quer não (2 Tm 4:2). A prisão para ele era mais um lugar onde o conhecimento de Cristo deveria ser manifesto.

Sua primeira experiência na prisão serviu de lições para as demais. Num ambiente desagradável, de desesperança, de angústia, Paulo e Silas resolvem louvar a Deus. O profundo desejo de serem considerados honrados por sofrer nome Dele talvez seja o motivo dessa atitude. A experiência filipense marcou o apóstolo. Daquela prisão surge a conversão de toda uma família, e também serve de testemunho para todos os homens que estavam presos com eles (At 16:25ss). E mais: podemos entender a prisão como um ensino na vida de Paulo acerca o desprendimento das coisas humanas. Esse ensino ele mostra em Atos 21:13b - pois estou pronto não só para ser preso, mas até para morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus.

De fato, em Jerusalém acontece um motim no qual Paulo é recolhido na fortaleza, agora por motivos de sua própria segurança. Depois de sua defesa perante Félix, este ordena a sua guarda e aos seus que o servissem da melhor maneira possível. Neste tempo de reclusão, Paulo encontrou tempo para ensinar, pregar e escrever cartas às igrejas que havia fundado.


3.2.5. A Casa da Cultura

Chamamos de casa da cultura os centros formadores de pensamento na época de Paulo. Entre eles destacamos dois dos quais Paulo teve um contato mais detalhado nas Escrituras. Por ser um pensador, o apóstolo se relacionava muito bem com essas pessoas, mostrando através de seu acurado conhecimento a fé em Cristo Jesus.

O primeiro lugar a se destacar é o areópago. No meio desses juízes, legistas e filósofos do povo grego, Paulo utiliza-se do grego (língua que dominava facilmente) para falar ace]rca do Deus desconhecido, utilizando um elemento da cultura local para evangelizar (At 17:23). Quando Paulo falou sobre a ressurreição do Senhor, os areopagitas decidiram que escutariam Paulo de novo em outra ocasião (At 17:32). Isso nos mostra duas coisas: ficaram interessados e intrigados com o conhecimento de Paulo.

Outro lugar é a escola de Tirano. Por dois anos, Paulo ensinou diariamente nessa escola (At 19:9-10). Este lugar se tornou um centro evangelístico, no qual habitantes de toda a Ásia concorriam pra lá ouvir seus ensinamentos. Através desse ministério de ensino e evangelismo, milagres extraordinários aconteceram (At 19:11-12).


3.2.6. O Tribunal

O tribunal era outro retrato/paisagem na vida de Paulo. Chamamos de tribunal os lugares em que ele precisava se defender de seus acusadores, principalmente judeus. Isso se torna comum no seu ministério (At 13:46, 16:37, 18:6, 18:12, 21:40, 23:1, 24:10ss, 25:8, 26:1ss, 28:17-20). Entre um tribunal e outro, Paulo faz uso de seu título de cidadão romano para se livrar de coisa pior (At 16:37, 22:25, 25:11). Contudo, o tribunal mostra a facilidade que o apóstolo tinha com a oratória e a produção teológica. Nos tribunais de sua defesa, Paulo faz uso de seus conhecimentos com o objetivo de livrar-se até mesmo da morte. Um caso muito interessante e até certo ponto cômico, acontece em Atos 23:6. Até o momento de sua palavra perante o Sinédrio, os fariseus e saduceus estavam unidos. Quando Paulo fala que ele é julgado por causa da esperança e da ressurreição dos mortos, a multidão se divide e há grande dissensão entre seus acusadores. Isso mostra duas coisas: uma, que Paulo conhecia muito bem a doutrina de ambos, e duas, ele sabia que isso despertaria uma batalha interna entre eles, esquecendo-se das acusações que pesavam sobre sua cabeça. Prova disso é que muitos que estavam contra ele, como escribas e fariseus passam a defendê-lo (At 23:9).


3.2.7. A Estrada

Além de seus companheiros de ministério, Paulo tinha outra companhia: a estrada. Ela está presente no início e durante boa parte do seu ministério. A estrada de Damasco é crucial em sua vida (At 9:3), pois nela acontece seu encontro com o Senhor e a definição do que deveria fazer (At 22:10). O caráter de sua missão é confirmada através da vida de Ananias, três dias depois do encontro na estrada: O Deus de nossos pais, de antemão, te escolheu para conheceres a sua vontade, veres o Justo e ouvires uma voz da sua própria boca, porque terás de ser sua testemunha diante de todos os homens, das coisas que tens visto e ouvido (At 22:14-15).

Durante suas viagens missionárias, fica claro que o apóstolo fazia uso das estradas para ir de uma cidade à outra. Na primeira viagem, Paulo utiliza o mar para chegar a seu primeiro destino (At 13:4). Já na segunda e terceira viagens ele utiliza o mar apenas para voltar para casa (At 15:41, 21:6, respectivamente).

Portanto, essas informações nos dizem que o apóstolo passava uma boa parte de seu tempo indo de uma cidade para outra utilizando nas estradas. Deduzimos que faziam parte de seu ministério.

As estradas revelam um imaginário coletivo de Paulo e seus companheiros. Nas estradas acontecem ensinamentos, estudos, orientações, orações, estratégias.


Conclusão

Onde a missão urbana deve ser realizada? O apóstolo dos gentios não plantou igrejas em todo lugar que passou e se concentrou em evangelizar e treinar pessoas que seriam líderes das comunidades emergentes.

Lendo-se Atos, tem-se a impressão de que Paulo era, quase que exclusivamente, um pregador itinerante. Isso não está correto, vista do fato de que em alguns lugares ele permaneceu por períodos mais longos (cerca de um ano em Corinto, dois a três em éfeso). Por conseguinte, talvez seja mais apropriado dizer, [...], que Paulo estava envolvido em Zentrumsmission, isto é, missão em certos centros estratégicos. Ele freqüentemente diz que sua missão está dirigida a vários países e áreas geográficas (Gl 1:17-21, Rm 15:19, 23, 26, 28, 2 Co 10:16). […]. Ele se concentra nas capitais de distritos ou províncias, cada uma das quais representa toda uma região : Filipos representa a Macedônia (Fp 4:15), Tessalônica, a Macedônia e Acaia (1 Ts 1:7s), Corinto, a Acaia (1 Co 16:15, 2 Co 1:1), e Éfeso, a Ásia (Rm 16:15, 1 Co 16:19, 2 Co 1:8). Essas metrópoles são os centros principais em termos de comunicação, cultura, comércio, política e religião. Entretanto, dizer que Paulo não pensava em termos de gentios como indivíduos e sim como nações […] é enganoso, na verdade, um anacronismo. Paulo pensa regionalmente, não etnicamente; escolhe cidades que têm caráter representativo em cada uma delas, ele coloca os fundamentos par uma comunidade cristã, claramente na esperança de que, a partir desses centros estratégicos, o evangelho seja levado par as cidades menores e o interior circunvizinho.[31]



Se Paulo vivesse nos nossos dias, certamente ele não escolheria uma cidade do interior para pregar e nem gastaria tempo nas praças. Vejo Paulo pregando em cidades estratégicas, capitais e se dirigindo às universidades, câmaras de vereadores, gabinetes de prefeitos e falando aos formadores de opinião a respeito do Ressurreto.

Na verdade, Paulo se encontrou sabia circular muito bem, entre as classes baixa e alta. Notamos isso evidente com o procônsul Sérgio Paulo (governador de todo o sul da atual Grécia) e Onésimo (um escravo fugitivo evangelizado na prisão). Seus personagens-tipo, portanto, figuram entre pessoas de classe alta e baixa, entre ricos e pobres. Suas retratos/paisagens urbanos também afirmam a posição de circular bem no meio opulento e no meio desprovido.


CONCLUSÃO: COMO PAULO FAZIA MISSÃO URBANA?

A partir de Atos 13, quando acontece seu comissionamento pessoal e de Barnabé pela igreja de Antioquia, Paulo realiza três viagens missionárias pregando em várias cidades importantes. O objetivo desse tópico é analisar alguns princípios tocantes de suas estratégias de missão nas cidades. A estratégia missionária de Paulo tinha como base a sua própria experiência de conversão e regeneração. Sua mensagem era a de reconciliação com Deus por meio de Jesus Cristo. Suas pregações sempre tocavam no assunto de ser uma nova criatura em Cristo.

As estratégias de Paulo ultrapassavam as paredes da igreja e iam de encontro a sociedade daquela época: seus governos, instituições e religiões. Paulo penetrou no mundo romano altamente urbanizado com estratégias em sua mente.

A primeira característica da missão de Paulo foi a pregação do Evangelho no poder do Espírito Santo. Paulo estava disposto a levar o evangelho por onde quer que fosse em toda sua integridade, embora fosse condenado e perseguido por isso. Em Éfeso, ele abre o coração para os presbíteros da igreja e revela as perseguições provenientes de anunciar e ensinar o evangelho (At 20:17-38). Em Roma, quando estava preso por causa da Nova Doutrina numa casa que alugara e esperando julgamento, não cessava de pregar e ensinar (At 28:30-31).

Contudo, a base para Paulo fazer isso era o próprio Espírito Santo. O apóstolo estava cheio do Espírito (At 13:9, 52; 19:2-6), e realizava toda obra no Seu poder. Foi o próprio Espírito que o vocacionou para a tarefa missionária (At 13:2), o enviou (13:4), o capacitou (13:9), o sustentou (13:52). Deus, através de seu Espírito, cuidava (At 20:23) e direcionava todo o ministério de Paulo, guiando-o a ponto de dizer onde pregar ou não (At 16:6-7).

Paulo foi também um plantador de novas igrejas. Ele tinha a consciência de que a sociedade era o local para a manifestação da graça de Deus e que a igreja era resposta de Deus para a cidade. Por isso, ele via a plantação dessas igrejas como um importante ponto em sua estratégia missionária. De fato, era necessário um lugar onde a fé fosse alimentada e plenamente vivenciada.

Contudo, Paulo não parou por aí. Além de fundar novas comunidades, ele não deseja abandoná-las. Por isso ele trabalhava na formação de uma liderança que poderia substituí-lo quando fosse embora. Como seu ministério era um constante movimento, ele achou melhor discipular pessoas escolhidas por ele mesmo para serem os líderes dessas comunidades na sua ausência. À medida que Paulo pregava o evangelho e discipulava novos líderes locais para a continuidade do trabalho, a comunidade local se fortalecia. Exemplos assim são vistos com Priscila e Áquila, Timóteo, Silas, Barnabé e Tito, todos preparados por Paulo que assumiram funções de dirigir diversas comunidades pela Ásia e Europa.

É de se notar que os seus discípulos seguiram os seus passos nessa formação de liderança. Priscila e Áquila tomaram Apolo consigo e expuseram o caminho de Deus (At 18:23-26), que se tornou depois líder da igreja de Corinto (1 Co 3:3-6).

O que Jorge H. Barro[32] chama de flexibilidade missiológica, prefiro chamar de contextualização missiológica, entendendo essa ser, numa situação de comunicação, características extralingüísticas que determinam a produção lingüística, como, por exemplo, o grau de formalidade ou de intimidade entre os falantes [33].

A estratégia missionária paulina era determinada pela necessidade e pelo contexto local que o apóstolo se encontrava. Paulo precisava se contextualizar com seus três públicos-alvo: judaico, romano e grego. É interessante notar que enquanto estava na cidade, ele analisava o novo ambiente, procurando descobrir elementos-chave que criariam pontes para a evangelização local. Podemos notar isso em Antioquia da Pisídia, quando ele foi num sábado à sinagoga, pressupondo-se que já estava observando a cidade há algum tempo (At 13:14); em Filipos, quando permaneceu alguns dias inserido no contexto local antes de ir num sábado à sinagoga para pregar (At 16:12-13); em Atenas, enquanto esperava seus companheiros, investigava toda a cidade e se revoltava com a idolatria, motivo que o impelia a pregar na sinagoga e na praça (At 17:16). Depois essa investigação se tornou preciosa quando pregava no Aerópago (At 17:22-23).

Paulo estabelecia também um contato conveniente com as sinagogas das cidades onde passava. Era conhecido pelo povo judeu por ser um provável ex-membro do Sinédrio e aluno do mestre Gamaliel, e como a base do cristianismo é o judaísmo, Paulo utilizava desses recursos para pregar a Palavra de Deus nas sinagogas dessas cidades, persuadindo judeus e constituindo assim um elo entre a antiga e a nova religião.

Paulo fixava essas pontes como uma forma de abrir as portas dos demais segmentos da sociedade em que pregava, estabelecendo nas sinagogas contatos com os líderes religiosos locais e também com pessoas de grande influência na sociedade que ele estava inserido.

Entretanto, Paulo não ficava somente nas sinagogas. Como seu desejo ardente era levar o evangelho a todas as pessoas possíveis, ele se dirigia a grandes concentrações de pessoas para poder realizar sua obra. As estratégias de Paulo ultrapassavam as paredes da sinagoga e iam de encontro à sociedade daquela época.

Paulo pregou a mensagem de conversão e regeneração baseadas em sua própria experiência nos lugares onde via necessidade e onde era convidado. Em Antioquia da Pisídia, pregou primeiro na sinagoga dois sábados seguidos e depois pregou fora dela para a multidão que afluía para ouvi-lo (At 13:14,44,49). Em Icônio, entrou na sinagoga e pregou ali durante muito tempo (At 14:1,3). Em Listra e Derbe anunciavam o evangelho, provavelmente nas ruas e nas casas daqueles que criam (At 14:6-8).

Já na segunda viagem missionária, quando chegam em Filipos, isso se confirma, e Paulo vai num sábado a um lugar de oração perto de um rio, onde haviam mulheres (At 16:13). Em Tessalônica pregou por três sábados na sinagoga (At 17:1-4). Em Beréia, pregou na sinagoga também (At 17:10). Já em Atenas, Paulo prega primeiro no Aerópago (At 17: 18ss.). Em Corinto pregava na sinagoga todos os sábados (At 18:4).

Na terceira viagem missionária ele prega durante três meses na sinagoga de Éfeso (At 19:8).

Por último, entendemos que a retaguarda da igreja de Antioquia era uma estratégia missionária de Paulo.

Antioquia da Síria é a mais importante cidade da história primitiva do cristianismo, depois de Jerusalém. Nessa cidade foi estabelecida a primeira igreja gentílica (At 11:20-21), e foi ali também, que pela primeira vez, se chamaram cristãos os discípulos de Jesus Cristo (At 11:26). A igreja foi fundada por cristãos que tiveram que sair de Jerusalém após a morte de Estevão. Os apóstolos, vendo que o trabalho prosperava naquele lugar, enviaram Barnabé para ajudá-los (At 11:22).

Paulo, depois da fuga cinematográfica de Damasco (At 9:25), é enviado para Jerusalém, Cesaréia de depois para Tarso. Barnabé, um dos primeiros de Jerusalém a crer na conversão de Paulo, vai buscá-lo em Tarso e leva-o para Antioquia para auxiliá-lo na tarefa de ensinar a igreja (At 11:25-26). Em Atos 13, há o comissionamento dos dois pela igreja para obra missionária.

Depois da primeira e segunda viagens missionárias, Paulo retorna à igreja que o havia enviado pra relatar tudo o que tinha feito no tempo que ficou fora (At 14:26-27; 18:22-23). Já na terceira viagem missionária, Paulo é preso em Jerusalém, mas podemos entender que assim como aconteceu com as duas primeiras, seu desejo era de relatar aos irmãos o que havia acontecido nessa viagem. Paulo considerava isso importante estratégia em seu ministério.

Sua ligação com a igreja de Antioquia era grande. A sua “casa” oferecia apoio espiritual e moral (At 13:3). A questão financeira, muito embora não apareça explicita dessa forma, provavelmente existia, pois o apóstolo viajava com o aval da referida comunidade.
1. Os Ritmos temporais da Pós-Modernidade



A pós-modernidade é um furacão que ainda estamos dentro e ninguém sabe direito o que ver quando tudo está rodando. A sociedade pós-moderna caracteriza-se principalmente pelo consumismo em suas mais variadas formas: social, econômico, político, espiritual, sexual etc.; pela relativização de valores, o que torna toda questão relativa ao tempo, espaço e pessoa; e finalmente por um egocentrismo acelerado e descomprometido com a sociedade que cerca o indivíduo.

Meu objetivo é destacar pontos chaves para a compreensão do contexto que estamos vivendo, principalmente na América Latina e traçar um paralelo com o século I, quando Paulo desempenhou seu ministéri